12 de junho de 2010

Vasectomia - Uma decisão de homem.

Em dois anos deverão ser feitas mais vasectomias que laqueaduras de trompas no Brasil. Por que isso representa uma revolução no planejamento familiar
Andres Vera

SEM TABU
O casal Allison e Fernanda, com seus cinco filhos. Ele optou pela vasectomia para poupar a mulher de uma laqueaduraOs irmãos Webert, Roger, Gustavo e Daniel já se espremiam em um dos dois quartos da casa quando Daniela nasceu. Com a chegada da caçula, 11 meses atrás, o imóvel ficou ainda mais apertado, assim como as contas da família. Allison Pereira Prata, de 36 anos, e a mulher, Fernanda, optaram por não ter mais filhos. Coube ao marido assumir a responsabilidade pelo planejamento familiar. Allison decidiu submeter-se à vasectomia, a cirurgia de esterilização masculina. “Se tivesse mais filhos, poderia até construir mais quartos e ampliar a casa”, diz ele. “Mas como iria pagar a escola de todos quando crescerem?”

Allison é assistente de produção numa fábrica de massas alimentícias em Belo Horizonte. Ao fazer a cirurgia, que é rápida e segura, ele poupou a mulher de uma laquea- dura, procedimento de esterilização feminina mais complexo, caro e traumático. A decisão tomada em família retrata uma transformação no planejamento familiar do brasileiro. Entre 2002 e 2007, o número de vasectomias cresceu seis vezes no país. O de laqueaduras, 2,5 vezes (leia o quadro abaixo). Nesse ritmo, dentro de dois anos haverá mais vasectomias que laqueaduras. “Os homens estão encarando uma pressão da sociedade e de suas próprias mulheres”, diz José Carlos de Almeida, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia.

Há outros motivos. Um deles é o reajuste no valor pago pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos médicos que operam pacientes pela rede pública. Até junho de 2007, pagavam-se R$ 28 ao cirurgião por uma vasectomia feita em ambulatório. Agora, são R$ 113. Com isso, mais cirurgiões se dispõem a atender os pacientes que tinham interesse, mas não tinham recursos para recorrer a uma clínica particular. Dependendo do médico e do hospital escolhido, uma vasectomia custa entre R$ 1.000 e R$ 3 mil. No SUS, sai de graça.

Outra explicação para o aumento no número de vasectomias é uma mudança de mentalidade. “Os casais passaram a ter acesso a informações importantes sobre os métodos contraceptivos”, diz Lena Peres, diretora-adjunta do Departamento de Ações Estratégicas do Ministério da Saúde. Mesmo assim, o próprio ministério admite que ainda falta informação aos profissionais da rede pública de saúde. Para Silvia Camurça, educadora da ONG Articulação de Mulheres Brasileiras, algumas regiões ainda têm dificuldade para assimilar a esterilização masculina. Em sete Estados brasileiros, não foi realizada nenhuma vasectomia pela rede pública em 2007. “É difícil combater a cultura da laqueadura que surgiu na década de 70”, afirma Silvia. “As mulheres optavam pela cirurgia porque a pílula provocava muitos efeitos colaterais. O homem só entrou nessa discussão há pouco tempo.”

Belo Horizonte é a única cidade brasileira onde a rede pública realizou mais vasectomias que laqueaduras. Foram 2 mil esterilizações masculinas em comparação a 1.800 femininas.

O número mostra que, quando bem orientados, os homens tendem a abandonar a crença em tabus, como o que associava a vasectomia à impotência. O urologista Jorge Hallak, do Hospital das Clínicas de São Paulo, coordenou uma pesquisa que mostra como a cirurgia pode até melhorar a vida sexual do homem. Os resultados obtidos mostram que a ereção e a ejaculação continuam normais. “E os homens perdem a preocupação durante o ato sexual”, diz Hallak.

A vasectomia não é mais associada à impotência – até ao contrário, segundo um estudo recente
A vasectomia não requer internação, exige apenas anestesia local e dura cerca de 20 minutos. O paciente volta para casa no mesmo dia. Em três semanas, recebe o resultado de um espermograma que comprova o sucesso do procedimento (a taxa de insucesso é inferior a 5%). A laqueadura de trompas exige anestesia geral ou parcial, custa R$ 293 para os cofres do governo e pode trazer complicações para a mulher, como infecções e hemorragias. Apesar das vantagens, ainda são poucos os países em que os números da vasectomia superam os da laqueadura. O Canadá é o líder em esterilização masculina, com duas vasectomias por laqueadura realizada.

Pela legislação brasileira, a vasectomia só pode ser feita por homens a partir de 25 anos. Quem tem dois filhos vivos pode ser operado com qualquer idade. “Essa é uma falha da legislação. Um paciente de 20 anos pode se arrepender depois de algum tempo”, diz o urologista Jorge Hallak. A reversão da vasectomia é possível, mas nem todas as unidades do SUS estão habilitadas a realizá-la. A taxa de sucesso desse procedimento começa em 75% e cai com o passar do tempo. No Hospital das Clínicas, cerca de 6% dos pacientes operados procuram a cirurgia de reversão. A decisão, também nesses casos, não cabe só à mulher.

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