12 de junho de 2010

Exame de próstata: fazer ou não fazer?

Novos estudos questionam os benefícios do teste anual de PSA, que mede os níveis de uma proteína produzida pela próstata
Cristiane Segatto

É difícil encontrar alguém que não conheça um homem que enfrenta o câncer de próstata. As histórias de luta estão por todos os lados: é o pai, o avô, o irmão, o marido, o chefe ou o vizinho. Esse tipo de câncer é o segundo mais comum na população masculina brasileira (atrás apenas dos tumores de pele). As chances de cura cresceram expressivamente nas últimas décadas. Hoje mais de 80% dos homens que descobrem o tumor de próstata precocemente são curados. E o tratamento provoca menos sofrimento. Esse retrato otimista é o que se pode depreender da análise fria das estatísticas.

Mas há um outro lado, mais subjetivo, que só quem enfrenta a doença pode saber o que é: o peso da impotência sexual e da incontinência urinária – possíveis efeitos colaterais do tratamento. A impotência pode castigar mais da metade dos pacientes acima de 55 anos. A incontinência urinária é menos frequente – depende da habilidade do cirurgião.

Li há alguns meses um romance que me fez perceber um pouco da fragilidade masculina diante disso. O livro é O fantasma sai de cena, do americano Philip Roth. A próstata do protagonista Nathan Zuckerman é extraída por causa de um câncer. A partir daí, ele enfrenta, sem sucesso, intervenções cirúrgicas para tentar resolver a impotência e a incontinência urinária. Ele se apaixona por uma mulher quarenta anos mais jovem, ao mesmo tempo em que se acostuma a usar fraldas geriátricas e é incapaz de ter uma ereção. Sente toda a vulnerabilidade em que está metido e percebe a finitude da vida.

Lembrei desse livro nesta semana ao ler duas importantes pesquisas médicas (uma americana e outra europeia) publicadas no The New England Journal of Medicine. Elas questionam os benefícios do teste PSA, sigla de antígeno prostático específico. Esse exame de sangue mede os níveis de uma proteína produzida exclusivamente pela próstata. Quando a quantidade dessa substância no sangue aumenta demais, pode ser sinal de que há um câncer em formação. O exame é muito útil porque permite a detecção precoce do tumor. Mas há controvérsia sobre os benefícios do exame anual recomendado aos homens saudáveis (que nunca tiveram nenhum sinal de câncer) a partir dos 50 anos.



Saiba mais

»Leia as colunas anteriores de Cristiane SegattoO estudo europeu demonstra que o PSA reduz a mortalidade por câncer em 20%. Mas também detectou um fenômeno indesejado: quando os níveis de PSA estão elevados, muitos homens são submetidos a biópsias e cirurgias desnecessárias. O PSA não é infalível. Quando ele está alterado, muitos pacientes acabam sendo submetidos a biópsias que não revelam câncer nenhum.

Há outro problema. Tumores de próstata se desenvolvem lentamente (15 anos, em média). Ou seja: muitos idosos podem estar sendo tratados agressivamente de cânceres que jamais teriam tempo de se desenvolver e de matá-los. Esses pacientes morreriam por qualquer outra razão (infarto, por exemplo) antes que o câncer de próstata se tornasse um problema. É o que em inglês os médicos chamam de "overtreatment".

Para salvar uma única vida, os médicos europeus tiveram de aplicar o PSA em mil homens e depois tratar cerca de 50 deles. Com gastos e sofrimento desnecessários. Por esse ponto de vista, o custo-benefício não compensa. Para o sortudo que escapou da morte, no entanto, o PSA e todo o tratamento subsequente representam a salvação que vale qualquer esforço.

Esse exemplo nos ajuda a perceber como as coisas são complicadas quando os pesquisadores tentam definir o verdadeiro valor de tratamentos de saúde. E como as pesquisas são fundamentais para distinguir o que é avanço do que é falsa promessa.

Os dois estudos vão prosseguir. Muitos especialistas acreditam que num tempo maior os benefícios do PSA se tornarão inegáveis. "Esses resultados foram publicados precocemente", diz o urologista Miguel Srougi, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O grupo que fez o PSA e o grupo que não fez precisam ser acompanhados por 15 anos (o tempo médio de desenvolvimento do tumor). Só aí poderemos saber se o PSA fez diferença ou não", afirma Srougi.

Por enquanto, as recomendações não mudam. Homens a partir de 50 anos devem fazer o PSA anualmente. E também o exame de toque retal, o que para muitos ainda é um tabu, mas é a forma mais simples e barata de detecção do câncer.

Na segunda-feira (30), o urologista Miguel Srougi vai inaugurar o primeiro centro especializado em próstata da América Latina. Vai funcionar no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. O Instituto da Próstata foi criado para atender o paciente de forma integral: de seu corpo e de sua mente. Além dos oncologistas e cirurgiões terá psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas.

O novo instituto terá também um braço destinado às pesquisas científicas. Abrigá um Banco de Tumores de Próstata como nenhum outro disponível no Brasil. Serão 2 mil amostras de tumores de ex-pacientes de Srougi, coletadas desde 1997. Foram conservadas em nitrogênio líquido ao mesmo tempo em que a evolução clínica dos homens foi acompanhada. A análise desses tumores permitirá identificar genes que indicam um prognóstico favorável ou desfavorável.

No futuro, será possível analisar o perfil genético do paciente e determinar se ele precisa de um tratamento mais ou menos agressivo. Atualmente isso ainda é difícil de prever, assim como os homens que serão ou não beneficiados pelo PSA. Enquanto a ciência não nos dá uma resposta definitiva, os oncologistas recomendam que nenhum homem despreze os exames disponíveis atualmente. Nem o apoio emocional. Ele faz toda a diferença.

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