12 de junho de 2010

O Ministério da Saúde recomenda: Faça sexo

Mas isso realmente adianta? O que dizem os médicos e o que informam as pesquisas mais recentes sobre os verdadeiros efeitos de uma vida sexual ativa em sua saúde.

O cenário estava montado para mais uma modorrenta cerimônia oficial de Brasília: o lançamento da campanha nacional de combate à hipertensão, realizado na segunda-feira. Mas o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, encontrou uma forma de apimentar o evento. Sentado ao lado do deputado federal (e médico) Darcísio Perondi (PMDB/RS), Temporão enumerou hábitos que ajudam a prevenir a doença crônica que é um dos maiores desafios da saúde pública brasileira e mundial. “Dançar faz bem para reduzir a hipertensão. E fazer sexo também. O Perondi estava brincando aqui que eu ia propor – além de cinco porções diárias de frutas, legumes e verduras – transar cinco vezes por dia.” Rindo, meio titubeante, Temporão emendou: “Não, isso não me parece razoável. Por semana, seria melhor”. E prosseguiu: “Fazer sexo ajuda. Dancem, façam sexo, mantenham o peso, mudem o padrão alimentar. Atividade física regular é fundamental. E, principalmente, meçam sua pressão arterial com regularidade”. Estava criado o fato da semana.

Ao falar de sexo dessa forma, Temporão conquistou uma proeza midiática. O tema árido de saúde pública, que normalmente chama pouca atenção, espalhou-se rapidamente pela internet, ganhou vários minutos de exposição na TV e nos jornais. Virou conversa de bar e de consultório. Cardiologistas relatam ter ouvido de vários pacientes a pergunta: “Sexo é bom mesmo para o coração, doutor?”. Por coincidência, o conselho de Temporão veio na mesma semana em que o Superior Tribunal de Justiça derrubou a patente do Viagra, o que deve baratear um dos remédios responsáveis pela extensão da vida sexual dos idosos.

Parece animador que uma atividade prazerosa – a mais prazerosa oferecida pelo corpo humano – seja fonte de saúde. Normalmente, cuidar da pressão, assim como de outros aspectos de longo prazo da saúde, é sinônimo de privar-se de prazeres, não cultivá-los. O ministro inovou. Mas não inventou a roda: a Organização Mundial da Saúde diz desde 2000 que sexo de qualidade é um dos quatro pilares de uma vida saudável. “Foi uma jogada de marketing genial”, diz Carlos Alberto Machado, diretor do Departamento de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia. “Se ele não tivesse falado sobre sexo, o tema da hipertensão não teria merecido nem notinha nos jornais.”

Não há dúvida de que o ministro foi bem-sucedido do ponto de vista da comunicação. Mas será eficiente? As pessoas vão atender a sua, digamos, convocação? E mais importante: praticar sexo pode ajudar a controlar a hipertensão, causa de fundo das duas doenças que mais matam no Brasil (infarto e derrame)? Em princípio, a resposta é sim. Pesquisas científicas, embora incompletas, e observações de médicos sugerem que o sexo afeta de forma positiva uma enorme variedade de funções orgânicas. É sabido que a atividade sexual provoca uma cascata hormonal que repercute em várias áreas do corpo (leia a ilustração na próxima página). Por isso, estaria relacionada a benefícios tão distintos quanto a melhoria da pele, o combate ao estresse e a redução da sensibilidade à dor. Há estudos que relacionam a maior frequência sexual à redução de infartos, à diminuição de derrames e à menor incidência de câncer de próstata. Estimulado pelo sexo, diz uma pesquisa, o sistema imune funciona melhor e protege de forma mais eficiente contra resfriados. Há indícios de que mesmo a cicatrização é mais rápida para quem pratica sexo regularmente e que as pessoas tendem a viver mais se tiverem uma vida sexual ativa. Já se identificaram vínculos até mesmo entre o contato com o sêmen e a diminuição dos casos de depressão entre as mulheres. Como o sexo ainda é um aspecto da vida humana cercado de preconceitos e tabus, essas descobertas são muitas vezes encaradas como piada – ainda que confirmem percepções oferecidas pela vida privada e pela tradição.


O MELHOR REMÉDIO
Gino e a mulher, Celina, fotografados em casa, em São Paulo. Sexo três vezes por semana contra a hipertensão deleUm exemplo é o próprio ministro. Na atmosfera bem-humorada que se criou com sua declaração, era natural a curiosidade: casado há mais de 35 anos com a psiquiatra Liliane Penello, ele pratica aquilo que pregou aos demais brasileiros? “Somos um casal muito feliz”, diz Liliane. Os dois se conheceram na faculdade, têm quatro rapazes e passaram a última semana ouvindo provocações dos amigos. Todos queriam saber como andava a pressão arterial do casal. A mulher do ministro diz que ele ri das piadas. “Ao tratar com a saúde pública, ele não pode ignorar a atividade sexual. Saúde é vida, prazer, bem-estar. É muito mais do que não ter doença”, disse Liliane a ÉPOCA. A meta de fazer sexo cinco vezes por semana não é alta demais? Como o marido, Liliane ri. “Ele é assim... animado com a vida”, diz.

Ninguém duvida que o sexo esteja intimamente relacionado à saúde e ao bem-estar. E há casos famosos de quem o usa como tratamento. O presidente americano John Kennedy, assassinado em 1963, dizia ser obrigado a fazer sexo todos os dias, senão ficava com dores de cabeça terríveis (a declaração teria sido feita ao primeiro-ministro britânico Harold Macmillan nos anos 60). Era uma desculpa útil para um homem obcecado pelas mulheres, mas faz sentido clínico. O ato sexual libera um hormônio chamado oxitocina, que atua nas fibras nervosas e já foi relacionado, por um estudo de 1999, à redução da dor.

Outro famoso sedutor, o jogador de futebol Romário, dizia que, se não “saísse à noite”, não faria gols. O sexo, afirmava, o deixava “levinho”. As pesquisas lhe dão razão. O fisiologista Turíbio Leite Barros Neto, professor da Universidade Federal de São Paulo, diz que o sexo tem um efeito psicológico tão positivo (por meio da liberação de endorfina, o hormônio do bem-estar) que se sobrepõe ao desgaste físico que possa provocar nos atletas. Apenas em esportes como boxe o sexo pode prejudicar o desempenho. “A endorfina tranquiliza e pode inibir a agressividade, que é muito necessária nas lutas”, diz ele. Os antigos já suspeitavam disso. Em várias culturas, os guerreiros se abstinham antes das batalhas para enfrentar o inimigo com mais raiva.

Se os indícios são tão favoráveis, por que afirmações como a do ministro não são ouvidas há mais tempo? A razão é que até hoje os pesquisadores não foram capazes de demonstrar cabalmente os benefícios do sexo para a saúde. Por algumas razões. A primeira: não é fácil isolar o sexo de outros fatores, como a estabilidade da relação, o amor, o afeto. A segunda, e mais delicada: mesmo quando se estabelece claramente que pessoas que praticam mais sexo têm menos problemas, não é possível inferir que o sexo seja a causa. Ele pode ser a consequência (pessoas com menos problemas de saúde é que fazem mais sexo, e não pessoas que fazem mais sexo têm saúde melhor). Um caso típico é o estudo apresentado em 2000 pela Universidade de Bristol, no Reino Unido, com 2.400 homens do País de Gales. Sua conclusão é que três ou quatro orgasmos por semana cortam à metade o risco de infarto ou derrame. O problema são as insuficiências metodológicas. Segundo especialistas, o número de pesquisados é pequeno demais para ter certeza dos resultados, o tempo de acompanhamento (dez anos) é insuficiente e, fundamentalmente, o estudo não responde se os homens são mais saudáveis porque fazem sexo ou se fazem mais sexo porque são mais saudáveis. O mesmo pesquisador “descobriu”, em 2003, que os homens que não se barbeiam diariamente têm 70% mais possibilidade de sofrer um ataque cardíaco. Ainda assim, a desconfiança deve ser contida. Mesmo que não seja causa da longevidade (o que muita gente debate), a simples correlação entre sexo e saúde é crucial. Significa que ele serve como sintoma de que há algo errado. E isso não é pouca coisa. Se você não quer – ou não consegue – fazer sexo, pode ser um sinal para procurar o médico.

E há os estudos que mostram, sim, efeitos benéficos para o organismo. Depois de estudar 24 mulheres e 22 homens que mantinham diários de suas atividades sexuais, um grupo de pesquisadores escoceses descobriu que aqueles que faziam mais sexo mostravam menor variação da pressão arterial em situações de estresse. O tamanho reduzido do grupo, porém, não valida o resultado. Em 2003, um grupo de pesquisadores australianos afirmou, depois de um estudo com cerca de 2.400 homens, que a masturbação regular – mais de cinco vezes por semana – por volta dos 20 anos diminui em até três vezes a chance de contrair câncer de próstata depois dos 50 anos. (O resultado é duvidoso, por se amparar em declarações sobre hábitos sexuais praticados 30 anos antes ou mais.) Outra área em que há indícios positivos da influência do sexo é o sistema imune. Em 1999, uma pesquisa com 111 universitários americanos mostrou que os que faziam sexo uma ou duas vezes por semana apresentavam níveis 30% maiores de imunoglobulina A, um anticorpo que protege contra gripes e resfriados. A julgar por essa pesquisa, porém, seria melhor cortar à metade a recomendação de Temporão: os que faziam sexo mais de três vezes por semana tinham níveis de anticorpos menores do que os que não praticavam sexo. Os pesquisadores não conseguiram explicar.

Tampouco existe consenso sobre algo que parece óbvio: a queima de calorias no intercurso sexual, fundamental para entender os efeitos do sexo sobre o sistema cardiovascular. Há estudos americanos que mostram que se gastam 85 calorias em cada transa, suficiente para “queimar” um Big Mac em 42 sessões de amor. Outras fontes estimam que o mesmo “exercício” é capaz de gastar 200 calorias, o que o faria equivalente a uma corrida de 30 minutos. O cardiologista Nabil Ghorayeb, chefe do Departamento de Cardiologia do Esporte do Hospital Dante Pazzanese, em São Paulo, estima em 100 calorias o gasto típico de uma relação sexual, equivalente a um coito de dez minutos. Para alcançar algum benefício cardiovascular apenas com sexo, diz ele, seria necessário transar 20 vezes por semana. Com números tão conflitantes, fica evidente que a energia gasta no sexo depende de quem o faz, como faz e com quem faz – e também do médico que está contando as calorias. Apesar disso, a mensagem é clara. “Sexo alivia o estresse e reduz a pressão arterial, por isso faz bem ao coração”, diz Ghorayeb. “Mas só sexo não adianta.” Ele sublinha que um hipertenso que toma os remédios direitinho pode praticar sexo sem medo. Para quem não se trata a história é outra. “A pressão arterial de um homem de 50 anos, com sobrepeso e hipertensão sem controle, pode chegar a 26 por 11 durante a relação sexual.”

O presidente americano John Kennedy dizia ter dores
de cabeça terríveis se não fizesse sexo todos os dias
“O ministro mencionou o sexo no contexto da atividade física”, diz Carlos Alberto Machado, um dos diretores da Sociedade Brasileira de Cardiologia, que estava em Brasília no lançamento do Programa Nacional de Combate à Hipertensão. Para manter um estilo de vida saudável, a OMS preconiza ao menos 30 minutos de atividade física em cinco dias da semana. Estratégias alternativas também ajudam a somar minutos de atividade física. Vale estacionar o carro a algumas quadras do trabalho e vencer o restante do percurso a pé. Vale subir alguns lances de escada. Vale pegar uma enxada e cuidar do jardim. Vale, claro, fazer sexo. Para colher os benefícios do sexo para a saúde, não é preciso transar cinco vezes por semana. Ainda bem. Essa média só é compatível com o desempenho declarado pelos brasileiros de 20 a 25 anos, segundo um estudo realizado em 2008 com 8.200 homens e mulheres em dez capitais. Na faixa dos 35 aos 40 anos, a frequência sexual declarada cai para duas a três vezes por semana. A partir dos 60 anos, as pessoas dizem que fazem sexo uma vez por semana ou a cada dez dias.

Aumentar essa média pode ser, sim, bom para a saúde. O dentista Gino Walbe Ornstein, de 48 anos, diz ter comprovado isso. Ele sofre de hipertensão desde os 37. Assim que recebeu o diagnóstico, tentou cortar os maus hábitos. Largou o cigarro, tirou o sal da comida, aderiu à prática de exercícios físicos. Mesmo assim, teve de recorrer a anti-hipertensivos. Há cinco anos sua pressão está controlada. Oscila entre 12 por 8 (o normal) e 13 por 9 (pré-hipertensão). Três vezes por semana, Ornstein corre e faz musculação. Está convencido, porém, de que sua melhor atividade física é o sexo. “Sinto um bem-estar muito grande, fico relaxado, menos estressado. É como se estivesse mais jovem.” Ele afirma fazer sexo três vezes por semana, pelo menos. Diz perceber a melhoria na saúde. Sua mulher concorda. Casada com ele há 24 anos, a criadora de cães Celina Maria, de 49, diz que a vida sexual ativa do casal facilitou o controle da pressão do marido. “Não sei se há relação direta, mas não tenho dúvida de que o sexo trouxe benefícios.” Celina percebe benesses em si mesma. “Sinto uma melhora geral. Na pele, no cabelo, no humor.”

Na faixa dos 35 aos 40 anos, a frequência sexual declarada
cai para duas a três vezes por semana
O empresário Flávio Jayme, de 28 anos, vive desde 2005 com um parceiro de 34 anos. Enquanto apenas namoravam e moraram em cidades diferentes, Jayme diz que faziam sexo apenas uma ou duas vezes por mês. “Tinha pouco ânimo e praticamente me arrastava de casa para o trabalho.” Ele diz que, desde que moram juntos, fazem sexo três vezes por semana. E acha que essa é a causa de não pegar um resfriado forte há anos nem sentir mais crises de amigdalite. Não atribui tudo ao sexo, porém. “O sexo é muito importante, mas o bem-estar é reflexo da companhia, do carinho e do relacionamento.” Para a psiquiatra Mônica Mogadouro, de São Paulo, pelo menos no que se refere à saúde mental, os relacionamentos são mais importantes que o ato sexual.“Não acho que o sexo sem outros envolvimentos faça bem”, diz ela. “O que eu vejo, na verdade, é que ele funciona como sintoma: adolescentes deprimidas é que saem transando com todo mundo.”

Do ponto de vista de saúde pública, estimular o sexo seguro é um bom recurso para conter o avanço da hipertensão. Segundo levantamentos do Ministério da Saúde, o número de adultos que receberam diagnóstico de hipertensão no país subiu de 21,5%, em 2006, para 24,4%, em 2009. As principais causas da doença são o consumo excessivo de sal (mais de 6 gramas por dia), o sobrepeso, o estresse, o tabagismo, a ingestão de álcool, o diabetes e o histórico familiar. Seus efeitos costumam ser nefastos. A hipertensão é responsável por 80% dos casos de derrame, 40% dos infartos, 40% dos casos de insuficiência cardíaca e 37% das insuficiências renais. Calcula-se que metade dos hipertensos nem saiba que tem a doença. Nesse cenário, a primeira dificuldade do Ministério da Saúde é convencer a população a adotar hábitos saudáveis. A segunda é convencer os hipertensos a tomar remédios. Hipertensão não é como uma úlcera, que dói e leva o doente a buscar o tratamento. Ela não tem sinal. “Os brasileiros têm um problema cultural em relação aos anti-hipertensivos”, diz o neurologista Antonio Cezar Galvão, do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. “Tomam o remédio por um tempo e, quando a pressão baixa, abandonam o tratamento.” Os médicos dizem que convencer um hipertenso a tomar remédio é uma tarefa inglória. A abordagem da doença pelo lado do sexo – a forma de terapia mais agradável e menos intrusiva – pode conquistar a atenção dos doentes. Sexo ajuda.

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