13 de junho de 2010

Especialista em terceira idade, Alexandre Kalache defende envelhecimento ativo

Publicada em 28/07/2008 às 15h05m
Antônio Marinho - O Globo

RIO - Em menos de 20 anos, o Brasil terá 18 milhões de idosos. Em 2025 serão 32 milhões. Apesar de a expectativa de vida ter aumentado, ainda há muito a fazer. Responsável durante 12 anos por programas de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), o doutor em saúde pública Alexandre Kalache, fundador do Departamento de Epidemiologia do Envelhecimento da London School of Hygiene and Tropical Medicine e consultor sênior da Academia de Medicina de Nova York, diz o que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida na terceira idade. Ele está no Brasil para participar do 13º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) e defende o investimento em atenção primária e em práticas que levem ao que chama de "envelhecimento ativo".

O brasileiro está envelhecendo com melhor qualidade de vida?
KALACHE - Se compararmos com o envelhecimento do meu avô a diferença é enorme. Primeiro porque a expectativa de vida é mais alta. Quando nasci em 1945, em Copacabana, a esperança de vida de um brasileiro era de 43 anos. Hoje é de 73 anos, quase 74 anos. Só no meu tempo de vida ganhamos 30 anos. Isso é um recorde. Poucos países conseguiram este salto num período tão curto. Eu nasci numa maternidade (a Arnaldo de Moraes) que não existe mais. O mesmo prédio se tornou virtualmente um hospital geriátrico. Copacabana é um exemplo excelente do que está acontecendo e acontecerá no país. Hoje temos mais idosos proporcionalmente neste bairro do que na Suécia e no Japão. Isso tem muito a ver com a urbanização do bairro. Por um lado, os idosos que têm acesso ou dinheiro hoje contam com facilidades que antes não sonhavam, como serviços de saúde e avanços tecnológicos que no meu tempo de estudante de medicina, no final da década de 60, eram ficção científica, mesmo um marcapasso ou a cirurgia aberta de coração, ou um tratamento catarata. E ainda as drogas para controlar diabetes, hipertensão, problemas cardiovasculares; a evolução do tratamento de câncer. Tudo isso melhorou a qualidade de vida. Idosos que antes seriam incapacitados, hoje convivem com problemas crônicos. Porém, o envelhecimento no Brasil ainda é um reflexo do que acontece no país. Há muita desigualdade. Por exemplo, decidir fazer dieta saudável não depende apenas de acesso à informação, mas também de poder aquisitivo. Mesmo em Copacabana isso fica evidente. De um lado idosos em comunidades carentes e do outro idosos de classe média. O primeiro grupo está envelhecendo pior, sem acesso ao sistema de saúde e sem vida social.

O Brasil envelheceu antes de enriquecer. Até que ponto isso foi ruim?
KALACHE - Um aspecto positivo é a aposentadoria não contributiva, de grande interesse internacional, que está tirando da miséria mais de oito milhões de beneficiários e cerca de quatro vezes esse número quando somamos seus familiares. São mais de dois mil municípios que têm hoje suas economias gravitando em torno dessas pensões. E esta política é viável e economicamente possível e difundida. São pessoas que trabalharam a vida toda e não contribuíram para o seguro social, como donas de casa, trabalhadores rurais etc. Pela primeira vez contam com uma renda regular todo mês. Se o Brasil não tivesse nos anos mais recentes experimentado um desenvolvimento econômico, isso talvez ficasse insustentável. E isso pesa muito menos para a economia do que a pensão de funcionários públicos que geralmente se aposentam cedo e com valores mais altos.

Os profissionais de saúde estão preparados para lidar com a terceira idade?
KALACHE - São absolutamente despreparados para lidar com idosos. Não vamos conseguir oferecer serviço geriátrico para 18 milhões de idosos. Primeiro, não é a resposta, não queremos tornar o envelhecimento um problema médico. Mas precisamos treinar todos os profissionais de saúde para lidar melhor com essa população. Geralmente eles sabem tudo de criança, de gestante, mas não sabem nada sobre terceira idade. E é a maioria de seus pacientes. Eles saem das faculdades sem adquirir conhecimentos para lidar com os idosos. A grande resposta para o envelhecimento é a atenção primária na saúde, para evitar a hospitalização e a institucionalização, opções muito mais caras. É preciso atender nossos idosos onde eles vivem, com seu problemas. Trabalhamos com a Associação Internacional de Gerontologia e definimos os 15 pontos capitais para o currículo mínimo do médico. O que ele deve aprender hoje para responder ao envelhecimento. Em 2025, serão 32 milhões com mais de 60 anos no Brasil, em 2050, serão 70 milhões. O acidente vascular cerebral ou derrame é um desgraça no Brasil, que tem um dos maiores índices do mundo. E que poderia ser prevenido como medidas simples como redução do sal na dieta e prática de atividade física. Mas, por exemplo, o idoso que mora em comunidades mais carentes não tem uma calçada para caminhar. Por outro lado, quando a doença já ocorreu, ele precisa de um lugar adequado para se tratar. E depois do tratamento vai precisar de fisioterapia, acompanhamento. Muitas vezes se torna incapaz e ainda terá de viver 15 anos a 20 anos com esse problema, com má qualidade de vida. Todos os profissionais de saúde deveriam estar mais familiarizados com anatomia, fisiologia, farmacologia, sinais e sintomas de doença na terceira idade. Um infarto em pessoa mais jovem causa dor. Já num idoso isso nem sempre ocorre. Outra doença comum é a depressão, que muitas vezes é confundida com mal de Alzheimer e não é tratada.

O Brasil tem um excelente Estatuto do Idoso no papel, mas na prática ainda não funciona? O que pode ser feito?
KALACHE - Já melhorou muito. Há dez anos, falar de envelhecimento não estava na pauta da mídia. Quando me especializei, na década de 70, eu não conseguia falar com ninguém sobre o assunto. Para melhorar a aplicação do estatuto é preciso sensibilizar as autoridades, os políticos. Eles querem dar prioridade a ações mais imediatas, como inaugurar uma ponte. Os políticos e dirigentes ainda não se deram conta da urgência do tema. Porém, o envelhecimento é um desafio de hoje, temos que andar rapidamente. Por exemplo, estamos tentando criar o Centro Internacional de Envelhecimento no Brasil, mas há mais dificuldades do que havia previsto. O principal objetivo do centro seria estimular políticas sustentáveis para o envelhecimento ativo. É o processo de otimizar as oportunidades de saúde, participação e segurança para que o cidadão tenha melhor qualidade de vida à medida que envelhece. É um processo, é continuo. E essas oportunidades estão ao longo da vida. Na saúde, o que se faz hoje, na infância, na adolescência, terá repercussão importante aos 78 anos. A saúde é a chave para participar ativamente da sociedade. Outra questão é a segurança para viver bem na velhice. A proposta do centro é estimular o debate com profissionaisde todas as áreas, não apenas saúde, mas arquitetos, advogados etc, realizar pesquisas e elaborar políticas públicas que poderão trazer o Brasil para o mesmo grau de evolução de países da Europa e dos Estados Unidos. E ele não será vinculado a uma única instituição. A idéia é fazer parcerias com profissionais que se dedicam à essa área, como a Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati, Uerj), UFRJ e Universidade Cândido Mendes, e no exterior, como The New York Academy of Medicine, para citar alguns exemplos.

O que aconteceu com o programa Sociedade Amiga do Idoso, da Organização Mundial de Saúde (OMS), que teve como piloto o bairro de Copacabana e serve de modelo para outras cidades do mundo?
KALACHE - O programa está lento, mas existem intervenções pontuais. Copacabana serviu como piloto e foi aqui que desenvolvemos a metodologia adotada em 35 cidades para o projeto global cidade amiga do idoso. Isso é realidade e partiu daqui. Depois repetimos a pesquisa entrevistando idosos de Tóquio, Xangai, Londres, Melbourne, Nova York e outras cidades. Analisamos os relatórios e os dados foram usados para produzir um guia, lançado em 1º de outubro de 2007. E teve um grande impacto. Agora são centenas de cidades e nova reunião será realizada em setembro, em Montreal. Apesar de ter nascido em Copacabana, pouco foi feito aqui. O tema transporte é um dos mais importantes para esta população. No Brasil os ônibus brasileiros são feitos em chassi, com degraus altos. Em Nova York o sistema está sendo todo reformulado. Já existem ônibus nos quais o chassi inteiro desce, não apenas um degrau. O que é bom para o idoso é bom para todos. Eu entro mais facilmente com um embrulho, a mulher com bebê, a pessoa com necessidade, o gordo. Uma boa política de envelhecimento é uma boa política de transporte público. O idoso poderá socializar mais. Outra questão: o idoso gosta de caminhar, de andar, mas também precisa descansar, a cada 200 metros a 300 metros. Criar um mobiliário urbano adequado é importante. A construção de toaletes públicos é outra medida simples. Muitos idosos têm urgência urinária, e não saem de casa porque não encontram esse tipo de equipamento. Não é só a questão financeira, é preciso vontade política. Por aqui há poucas iniciativas. Agora o Estado do Rio Grande do Sul começa a tomar algumas iniciativas nesse sentido. Lá, em parceria com o governo, estamos realizando debates, fóruns para discutir e implantar medidas que melhorem a qualidade de vida do idoso. Existem necessidades comuns, mas cada comunidade tem suas diferenças. Na Região Sul ainda existem muitos idosos vivendo em populações agrícolas e isolados. Os filhos saíram de casa, eles vivem sozinhos em muitas vezes em imóveis que estão se deteriorando, sem poder aquisitivo. O governo convocou mutirões convocando idosos mais ativos, recém aposentados, como bombeiros, pedreiros e eletricistas, para reformarem essas casas, a partir de algum incentivo financeiro.

O que é melhor para idoso, ser cuidado em casa ou numa instituição?
KALACHE - Hoje ocorre a feminização do envelhecimento. Na faixa a partir dos 85 anos, dois terços da população é formada por mulheres, geralmente de baixa renda e há muito tempo viúvas. Muitas se casaram com homens mais velhos. A responsabilidade de cuidar de outro idoso geralmente é da mulher. O homem ainda participa pouco. Na faixa de 18 anos a 30 anos, a mulher é principal cuidadora de algum doente dentro de casa e dedica, em média, 18 minutos por dia do seu tempo nessa tarefa. Na faixa de 45 anos a 54 anos, ela gasta 150 minutos. De 65 anos a 74 anos, dedica 210 minutos do seu tempo. De 75 anos a 84 anos o tempo gasto é 310 minutos. Geralmente cuidam dos maridos ou dos próprios pais. Mesmo depois de 85 anos a mulher ainda passa 63 minutos em média cuidando de alguém, mais de três vezes a média das mais jovens. De maneira geral, a pessoa idosa quer envelhecer em casa, não quer ser institucionalizada, por melhor que seja a casa da repouso. É preciso repensar a sociedade para o homem ter participação mais ativa no cuidado, compartilhar mais. E que de alguma forma o poder público ajude para para que as pessoas possam envelhecer em casa. Isso depende também de investimento em atenção primária. Estudo em 2002 na Espanha, mostrou que apenas 12% das pessoas que cuidavam de idosos eram profissionais especializados. No Brasil ainda existe a figura da empregada doméstica, que também atua como cuidadora. Quase 90% eram familiares, amigos, vizinhos. Há estudos similares na Europa e nos Estados Unidos. Não há nenhum país do mundo com mais de 6% de idosos vivendo em instituições. Para a imensa maioria dos idosos, a institucionalização é o começo do fim, a pessoa fica deprimida, está mais sujeita a abusos, perde sua privacidade e sua autonomia para viver de acordo com suas próprias regras e os seus desejos. Mesmo lúcida ela não tem mais autonomia. Terá que seguir regras das instituição, comer na hora determinada, dividir um quarto, usar banheiro coletivo. São raros os lugares bons.

De que forma os avanços em medicina genética estão melhorando a qualidade de vida dos idosos?
KALACHE - Provavelmente, com os avanços científicos, como a medicina genética, as pessoas vão chegar mais facilmente aos 100 anos e com melhor qualidade de vida. Em vez de tratar, a pessoas será curada de doenças crônicas como Parkinson e Alzheimer. Mas para algumas pessoas esse aumento da expectativa de vida será uma perversidade porque continuarão com má qualidade de vida. Por isso estamos buscando intervenções que possam facilitar que a pessoa continue ativa e produtiva. De qualquer forma, envelhecer hoje é muito mais fácil do que há 40 anos a 50 anos. Mas não podemos esperar soluções de fora, temos que desenvolver nossas próprias. É preciso dar mais ênfase em direitos de idosos.

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